sexta-feira, 28 de abril de 2017

Desigualdade salarial coloca em perigo a coesão social

Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou recentemente o Relatório Mundial sobre os Salários 2016/2017 (Global Wage Report 2016/2017: Wage inequality in the workplace) onde analisou, de forma desenvolvida, aspetos da desigualdade salarial no local de trabalho. Esta Agência das Nações Unidas, que integra representantes dos governos, de empregadores e dos trabalhadores, produz estudos e documentos que incorporam conhecimentos do «mundo real» sobre trabalho e emprego considerados rigorosos e credíveis.

A Comissão Nacional Justiça e Paz, ao tomar conhecimento desse relatório, refletiu sobre o seu conteúdo e decidiu tecer algumas considerações sobre os salários, não só em Portugal, como noutros países do mundo.

Da leitura do relatório ressaltam, entre outros, os seguintes aspetos:

1- O crescimento dos salários reais tem vindo a diminuir nos últimos anos. Passou de 2,5% em 2012 para 1,7 % em 2015. Em Portugal, a desaceleração do crescimento salarial iniciou-se em 2010 e manteve-se constante em 2015.

2- Desde 1999 o crescimento dos salários médios tem ficado abaixo do crescimento da produtividade do trabalho. Isto quer dizer que, na generalidade dos países, incluindo Portugal, os ganhos da produtividade não têm sido repercutidos nos salários.

3- Os rendimentos do trabalho têm vindo a perder peso no conjunto do rendimento nacional. Em Portugal, por exemplo, o rendimento do trabalho representava 60% do total do rendimento em 2002, enquanto que em 2015 este valor era de 51%. Esta é uma tendência mundial com consequências sociais e económicas negativas, como é reconhecido.

4- Muitos países fixaram, ou reforçaram, o salário mínimo. Está provado por estudos recentes que, quando os salários mínimos são fixados a um nível adequado – tendo em consideração as necessidades dos trabalhadores e suas famílias, assim como fatores económicos –, eles podem aumentar os salários dos trabalhadores de baixos salários – muitos dos quais são mulheres – sem efeitos negativos no número de empregos. Em 2013 um trabalhador português com salário mínimo recebeu menos de 50% do salário médio desse ano.

5- A desigualdade salarial é uma tendência que tem aumentado em muitos países. Em 2010, na Europa, os 10% dos trabalhadores mais bem pagos obtiveram 25% da massa salarial, 1% dos mais bem pagos receberam 5,8% e 50% dos trabalhadores de mais baixos salários receberam 30%. Em Portugal os números acima referidos passariam a 30%, 6,9% e 24,7%. Como se vê, a desigualdade é mais acentuada. A desigualdade salarial pode conduzir a uma coesão social mais fraca, ao consumo reduzido das famílias e a taxas mais baixas de crescimento económico.

6- A nível mundial verifica-se uma disparidade entre os salários dos homens e os das mulheres. Em Portugal essa disparidade existe, embora não seja tão acentuada como noutros países. Em 2013, nos cargos de alta direção, no grupo que representa 1% dos que recebem salário mais elevado, o trabalhador masculino recebe 2 vezes mais que o seu congénere do sexo feminino. Reconheça-se que esta situação tem vindo a alterar-se por força de legislação adotada por vários países.

7- Em jeito de conclusão e tendo em consideração que a estagnação dos salários médios e a redução do peso do rendimento do trabalho no rendimento nacional podem ter consequências tanto sociais como económicas, há que adotar medidas, preconizadas no relatório, como sejam, entre outras: fixar o salário mínimo, apoiar a contratação coletiva, ponderar o peso dos salários de topo, fomentar o crescimento da produtividade, reduzir as desigualdades entre salários de homens e mulheres, adotar políticas fiscais favoráveis.

Perante as questões levantadas neste relatório da OIT, a Comissão Nacional Justiça e Paz lembra que tudo o que se relacione com o trabalho e o emprego não pode deixar nenhum cidadão indiferente. Lutar por um trabalho digno para todos, pagar salários justos, reduzir as grandes disparidades remuneratórias, respeitar os equilíbrios entre empregadores e empregados, reduzir a precariedade do emprego e eliminar todas as formas de exploração laboral constituem objetivos que devem ser prosseguidos por todos os que ambicionam viver numa sociedade justa e pacífica. Em todo este conjunto de preocupações, o salário representa um aspeto importante, uma vez que a grande maioria dos cidadãos (com as suas famílias) dependem exclusivamente do salário que auferem. Salários demasiadamente baixos são responsáveis por níveis de pobreza intoleráveis.

Recentemente, em Portugal, foi aumentado o salário mínimo. É uma medida que vem no caminho certo, que ajuda o combate à pobreza, mas que ainda é manifestamente insuficiente.

O pensamento cristão desde sempre tem afirmado a dignidade do trabalho e a obrigação da prática de salários justos. A carta de S. Tiago denuncia aqueles ricos que só pensam neles: «O salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar; e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo!» (Tg 5,4).

Na Encíclica Laborem exercens, de São João Paulo II, sobre o trabalho humano, um dos mais notáveis dos documentos da Doutrina Social da Igreja, pode ler-se no n. 19:
«[…] o salário justo torna-se, em todos os casos, a verificação concreta da justiça de cada sistema socio-económico […]».
«[…] A justa remuneração do trabalho das pessoas adultas, com responsabilidades familiares, é a que for suficiente para fundar e manter dignamente a família e para garantir o seu futuro[…]».

Mais recentemente, o Papa Francisco, na sua Carta Apostólica Misericordia et misera, lembra que «não ter trabalho nem receber um salário justo são situações que atentam contra a dignidade da pessoa» (n.19). Noutra ocasião (na homilia da missa de Santa Marta de 19 de maio de 2016) o mesmo Papa Francisco chegou a afirmar: «explorar trabalhadores é um pecado mortal».

Neste Tempo Pascal de 2017, a Comissão Nacional Justiça e Paz pede aos detentores de poder político e económico, aos empregadores, aos dirigentes sindicais, aos responsáveis de associações patronais, aos trabalhadores em geral e a todos os homens e mulheres de boa vontade que se empenhem na construção de uma sociedade mais justa, mais igualitária e onde sejam respeitados os direitos inalienáveis da pessoa na relação com o seu trabalho.

Lisboa, 24 de abril 2017

A Comissão Nacional Justiça e Paz


Ver AQUI o Relatório



terça-feira, 25 de abril de 2017

Profecia




Algum dia há-de ser um novo dia,
se realmente o tempo se renova.
Sepultado nesta cova de rotina,
a ver o sol pousar sobre a colina
em frente,
em vez de me entregar ao sono paciente
de morrer,
ponho-me a futurar o amanhecer.

E com toda a inquieta
serenidade sagrada de um poeta
que descortina
a universal e própria salvação,
vejo na imprecisão
que a próxima alvorada
- ou ela, ou outra, ou outra, ou outra ainda -
dará por finda
esta luz já monótona e cansada.

(Miguel Torga)



sábado, 22 de abril de 2017

Dia da Terra, a nossa Casa Comum



Citando o Papa Francisco na encíclica

Laudato Si: sobre o cuidado da Casa Comum:

Existem formas de poluição que afectam diariamente as pessoas. A exposição aos poluentes atmosféricos produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provocam milhões de mortes prematuras. Adoecem, por exemplo, por causa da inalação de elevadas quantidades de fumo produzido pelos combustíveis utilizados para cozinhar ou aquecer-se. A isto vem juntar-se a poluição que afecta a todos, causada pelo transporte, pelos fumos da indústria, pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos fertilizantes, insecticidas, fungicidas, pesticidas e agro-tóxicos em geral. Na realidade a tecnologia, que, ligada à finança, pretende ser a única solução dos problemas, é incapaz de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e, por isso, às vezes resolve um problema criando outros. (n.20)

A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo. Em muitos lugares do planeta, os idosos recordam com saudade as paisagens de outrora, que agora vêem submersas de lixo. Tanto os resíduos industriais como os produtos químicos utilizados nas cidades e nos campos podem produzir um efeito de bioacumulação nos organismos dos moradores nas áreas limítrofes, que se verifica mesmo quando é baixo o nível de presença dum elemento tóxico num lugar. Muitas vezes só se adoptam medidas quando já se produziram efeitos irreversíveis na saúde das pessoas. (n.21)


Outros indicadores da situação actual têm a ver com o esgotamento dos recursos naturais. É bem conhecida a impossibilidade de sustentar o nível actual de consumo dos países mais desenvolvidos e dos sectores mais ricos da sociedade, onde o hábito de desperdiçar e jogar fora atinge níveis inauditos. Já se ultrapassaram certos limites máximos de exploração do planeta, sem termos resolvido o problema da pobreza. (n.27)


Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável. (n.30)
Uma maior escassez de água provocará o aumento do custo dos alimentos e de vários produtos que dependem do seu uso. Alguns estudos assinalaram o risco de sofrer uma aguda escassez de água dentro de poucas décadas, se não forem tomadas medidas urgentes. Os impactos ambientais poderiam afectar milhares de milhões de pessoas, sendo previsível que o controle da água por grandes empresas mundiais se transforme numa das principais fontes de conflitos deste século. (n.31)


Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo actual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas. (n.43)

Nota-se hoje, por exemplo, o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas mas também ao caos urbano, aos problemas de transporte e à poluição visiva e acústica. Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam, gastando energia e água em excesso. Há bairros que, embora construídos recentemente, apresentam-se congestionados e desordenados, sem espaços verdes suficientes. Não é conveniente para os habitantes deste planeta viver cada vez mais submersos de cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contacto físico com a natureza. (n.44)


sábado, 8 de abril de 2017

Iémen - a guerra no país mais pobre do médio oriente

Dois anos de violência gratuita e massacres, milhares de mortos e milhões de pessoas que necessitam desesperadamente de ajuda.


Cerca de 17 milhões de pessoas estão em risco de fome no Iémen, segundo dados revelados pelas Nações Unidas. O conflito armado que se arrasta há dois anos levou ao fim das produções agrícolas e está a impedir a entrada de ajuda humanitária no país. As Nações Unidas dizem tratar-se de uma das piores situações de fome em todo o mundo. As organizações humanitárias advertem que estará a atingir-se o “ponto de não retorno”.

Vinte das 22 províncias do país estão em situação de ‘emergência’ ou ‘crise’ alimentar e quase dois terços da população estão em situação de fome, a necessitarem de apoio para a sobrevivência e subsistência”, refere o comunicado da organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação.

Os dados representam um agravamento de 21% em relação aos que haviam sido reunidos em junho de 2016. “Se as coisas não forem feitas agora, depois olharemos para trás e veremos que milhões de crianças morreram à fome, e que todos tínhamos consciência da situação há algum tempo. Isto irá envergonhar-nos como comunidade internacional ao longo dos próximos anos”, denuncia o porta-voz da ONG Save the Children.

Neste momento, 2,2 milhões de crianças estão em condições de má nutrição grave, e mais de 460 mil em má nutrição extrema.

O número de pessoas extremamente pobres e vulneráveis tem vindo a subir em flecha. Cerca de 80 por cento das famílias estão endividadas e metade da população vive com menos de 2 dólares por dia, diz o relatório.

À medida que os recursos das famílias tem vindo a diminuir, o número de crianças recrutadas para a guerra, bem como os casamentos precoces, aumentaram. Mais de dois terços das raparigas casam antes dos 18 anos.


Perto de 1.600 escolas deixaram de funcionar porque ficaram destruídas, danificadas ou porque estão a ser usadas para acolher famílias deslocadas. Cerca 2 milhões de crianças estão fora da escola. 

Relatório da UNICEF AQUI


quarta-feira, 5 de abril de 2017

A utopia viva de Martin Luther King



A 4 de abril de 1968, um tiro certeiro tirava a vida a um dos maiores ativistas de todos tempos, que em 13 anos — entre 1955 e 1968 —  conseguiu fazer uma verdadeira revolução nos direitos civis dos negros norte-americanos. Em pouco mais de uma década, a sua luta conseguiu mais do que o que se havia alcançado nos 350 anos precedentes.

A sua luta contra a desigualdade racial baseada em preceitos de não-violência tornaram-no uma das figuras públicas mais conhecidas até hoje. Recebeu o Prémio Nobel da Paz  em 1964.

Ficou célebre o discurso que proferiu, no dia 28 de agosto de 1963, diante de 250 mil pessoas, no National Mall, em Washignton, em que  Luther King abriu o peito para falar sobre o seu sonho de um país socialmente justo e racialmente igualitário e da necessidade de união e da coexistência harmoniosa entre negros e brancos, no futuro.


Eu tenho um sonho que um dia, nas montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade