domingo, 29 de maio de 2016


TTIP: JÁ OUVIU FALAR?

O TTIP – Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento - começou a ser negociado entre a União Europeia e os Estados Unidos da América, em Junho de 2013. Embora o nome realce a importância do comércio, este representa apenas uma parte muito pequena das negociações. O que se pretende realmente com o TTIP é uma uniformização e menor exigência das regulamentações em diferentes domínios como alimentação, segurança dos consumidores, proteção ambiental, biotecnologia e químicos tóxicos, serviços financeiros e bancários, patentes dos medicamentos, regulação dos serviços domésticos e muitas outras áreas do domínio público. 


Com a abolição de barreiras alfandegárias e regulatórias em todos os setores da economia e uma maior proteção dos direitos de propriedade industrial, ele deverá criar a maior zona de livre-comércio do mundo favorecendo situações monopolistas e colocando os interesses de grandes empresas transnacionais acima dos interesses do cidadão comum.


Acresce que o Tratado prevê um sistema de regulação de diferendos à margem dos sistemas judiciais, que permite que empresas privadas tenham a possibilidade de processar estados, através de tribunais arbitrais privados, se os estados aprovarem leis que tenham impactos negativos sobre os seus investimentos e previsões de lucro.


As manifestações a que, um pouco por todo lado, se tem assistido, a propósito deste Tratado, desde há muito tornaram claro serem fundados os receios de que ele terá um impacto negativo em muitos aspetos da vida de milhões de cidadãos americanos e europeus. Uma iniciativa de cidadãos europeus recolheu (até finais de 2015) mais de 3 milhões de assinaturas numa petição pública a pedir que a União Europeia pare com as negociações. 

Os documentos secretos produzidos no âmbito das negociações em curso, que o movimento Greenpeace holandês publicou nestes últimos dias, vêm aumentar a preocupação e reforçar a necessidade de exigir transparência do processo negocial e de suscitar um debate informado sobre este assunto.

VER (Video com legendas em português): 

Mais informação sobre o tema: AQUI e também AQUI

quarta-feira, 18 de maio de 2016

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS. NÃO PODEMOS IGNORAR


Como médica, senti-me ultrajada!
Federica Zamatto, médica coordenadora dos programas de migração da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF)

Agora, tudo está mudado na ilha grega de Lesbos, que no ano passado viu mais de meio milhão de refugiados e migrantes darem seus primeiros passos em solo europeu. Durante o caos do verão passado, 15 mil pessoas ficaram retidas na ilha após as autoridades suspenderem os barcos para a ilha principal. Agora, tudo está limpo e arrumado, pronto para a época turística que está aí a chegar. Os acampamentos estruturados por voluntários e ONGs para oferecer abrigo temporário às famílias que chegavam à ilha estão completamente vazios. Os milhares de coletes laranjas que se espalhavam pela costa foram tirados de lá. As praias estão de volta ao normal. Mas, não se engane: Lesbos não está silenciosa e arrumada porque as pessoas pararam de fugir da guerra. Em vez disso, os homens, as mulheres e as crianças que arriscaram tudo em botes de borracha estão agora detidos atrás de grades, longe dos olhos europeus ou do outro lado da costa, num buraco negro.
A Europa decidiu varrer migrantes e requisitantes de asilo para debaixo do tapete, como se fossem lixo. A União Europeia (UE) está tentando esconder o problema e retirá-lo  das vistas. Mas são pessoas e não lixo. São homens de todas as idades, mulheres e crianças, que apostaram numa rota incerta para deixar para trás conflitos, instabilidade e pobreza, na medida em que os riscos da jornada compensam, se comparados à ameaça constante sob a qual viviam nos seus países de origem. A tinta do acordo vergonhoso entre a UE e a Turquia mal havia secado quando o acampamento improvisado de Moria foi transformado num centro de detenção. (…) Alguns dias atrás, eu visitei o centro e o que vi foi chocante: crianças mantidas em detenção, privadas da sua infância. Hoje, Moria está perigosamente superlotado e muitas pessoas estão dormindo ao relento, com nada mais do que lonas plásticas ou papelões para se protegerem da intempérie. (…) A coisa mais ultrajante que vi, no entanto, foram muitas, muitas crianças mantidas em detenção, deixadas em condições miseráveis e indecentes, sem alimentação adequada, ou até mesmo sem uma oportunidade de brincar, como todas as crianças normalmente fazem. Elas estavam por toda a parte, correndo, dormindo, embaladas nos seus carrinhos. Eu jamais poderia imaginar que crianças, mulheres grávidas, idosos, a maioria fugindo da guerra, seriam cercados por arame farpado, com os portões fechados, em solo europeu. E eu não consigo encontrar uma explicação aceitável para o porquê da Europa estar permitindo que isto aconteça. A Europa, que falhou em implementar o esquema de recolocação a partir de acampamentos improvisados para países europeus – mostrando que não havia verdadeiro consenso sobre as estratégias dos Estados-membros da UE – agora está tentando esconder o problema, afastando os refugiados e repassando as suas responsabilidades para a Turquia. Temo que os cidadãos europeus não saibam o tipo de acordo ultrajante que os seus Estados assinaram em seu nome. Se soubessem, sentiriam vergonha, nojo, ficariam furiosos e sentir-se-iam traídos, assim como eu. 


Como organização humanitária (MSF), recusamos-nos  a ficar apenas assistindo da praia.

Desde que o acordo entre a União Europeia e a Turquia entrou em vigor, no dia 20 de março, os espaços estruturados nas principais ilhas na Grécia em outubro de 2015 para a triagem e o registo de requisitantes de asilo foram transformados, da noite para o dia, em centros de detenção onde os migrantes estão retidos. A União Europeia (UE) viu no acordo com a Turquia um meio de conter a crise de migrantes e de refugiados. Desde esse dia qualquer um que  desembarque nas ilhas gregas, é levado directamente para campos em Lesbos, Chios, Leros e Samos, transformados em centros de detenção administrados pelo exército e pela polícia grega. 

A situação também é complicada noutros locais da Grécia. Até ao dia 28 de março, havia mais de 50 mil pessoas retidas em centros de detenção ou acampamentos. Cerca de 11 mil pessoas ainda estão em Idomeni, aguardando a abertura da fronteira com a Macedónia, mesmo que as autoridades tenham dito repetidas vezes que ela continuará fechada. 

“As coisas poderiam ter sido diferentes. Poderiam ter sido organizadas. O que vemos aqui é a falha total da União Europeia em receber um milhão de pessoas com dignidade e respeito. Um milhão não é um grande número para a Europa. E cada um desse milhão de pessoas tem sua história pessoal, seu sofrimento pessoal. Elas fizeram de tudo para se salvarem, a si mesmas e às suas famílias, e para buscar um futuro melhor na Europa, longe da guerra e da perseguição. Como todos nós, afinal, teríamos feito.”  - diz a directora-geral da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Grécia.


“Refugiados e migrantes estão procurando uma vida melhor e mais segura. Não é admissível tratá-los como criminosos, ou pior, deixá-los morrer nessa procura. Em vez de se concentrar na dissuasão e na vigilância, os Estados europeus devem providenciar alternativas seguras para as travessias marítimas e um mecanismo de busca e resgate que seja ao mesmo tempo exclusivo e proativo. As vidas de centenas de milhares de pessoas dependem disso”.

“Enquanto as crises e os conflitos pelo mundo continuarem a levar milhões de pessoas a fugir, a falta de uma solução global para a actual crise de refugiados, a política de dissuasão dos Estados europeus e sua recusa em fornecer alternativas para a travessia marítima vão continuar a matar milhares. Como organização humanitária, recusamos-nos  a ficar apenas assistindo da praia.” (Médicos Sem Fronteiras)


terça-feira, 10 de maio de 2016

“Os seus direitos estão em risco” 
Denuncia a Amnistia Internacional no seu Relatório Anual 2016 
sobre o Estado dos Direitos Humanos no Mundo.

Direitos humanos sob ameaça global
A proteção internacional dos direitos humanos está em risco de fracassar conforme as políticas de interesses nacionais a curto-prazo e uma repressão feroz em nome da segurança estão a resultar num ataque cerrado a liberdades e direitos fundamentais. Muitos governos têm violado a lei internacional desavergonhadamente e estão deliberadamente a minar as instituições criadas para proteger os direitos das pessoas.
“Os seus direitos estão em perigo: estão a ser tratados com um desdém absoluto por muitos governos no mundo inteiro. Milhões de pessoas estão a sofrer às mãos dos Estados e de grupos armados, enquanto os governos consideram, descaradamente, a proteção dos direitos humanos como uma ameaça à segurança, à lei e à ordem ou aos «valores nacionais»”.

Direitos sob ameaça a nível nacional
Ao longo de 2015, mais de 122 países sujeitaram pessoas a torturas e pelo menos 30 forçaram ilegalmente refugiados a regressarem a países onde ficariam em perigo. Em pelo menos 19 países foram cometidos crimes de guerra ou outras violações das “leis da guerra” por governos e por grupos armados. Também têm aumentado os ataques, por parte dos governos, a ativistas, advogados e outras pessoas que trabalham para defender os direitos humanos.

Nações Unidas precisam desesperadamente de revigoração
Muitos governos têm deliberadamente frustrado a ação da ONU, necessária para evitar atrocidades maciças ou para responsabilizar aqueles que as cometem, e rejeitaram as recomendações feitas para melhorarem os direitos humanos a nível nacional. O conflito na Síria é um exemplo atroz das consequências que tem para as pessoas o falhanço sistémico da ONU em cumprir o seu papel crucial de fazer valer os direitos e a lei internacional e garantir a responsabilização.

Chamada à ação
“O mundo enfrenta atualmente muitos desafios que, na sua origem, foram criados ou prolongados por governos que põem o jogo político acima das vidas das pessoas. Milhões de refugiados estão a sofrer com a proliferação dos conflitos e grupos armados atacam os civis deliberadamente e cometem graves abusos”.


Alguns dos países em destaque pela violação de direitos humanos
Angola: pelo uso de leis de difamação e da legislação de segurança de Estado para perseguir, deter e prender aqueles que exprimem pacificamente as suas opiniões e por publicamente desdenhar das recomendações da ONU sobre o estado de direitos humanos no país.
Arábia Saudita: pela repressão e punição brutal daqueles que ousam defender reformas ou criticar as autoridades e por cometer crimes de guerra na campanha de bombardeamentos contra o Iémen ao mesmo tempo que bloqueou o lançamento do inquérito liderado pela ONU aos crimes de guerra levados a cabo por todas as partes naquele conflito.
Burundi: pelas mortes sistemáticas e outras táticas violentas generalizadas por parte das forças de segurança e pelas medidas tomadas para suprimir a comunidade de direitos humanos no país.
China: pela escalada na repressão contra os defensores de direitos humanos e a aprovação de uma série de leis repressivas em nome da “segurança nacional”. 
Egito: pela condenação à prisão de milhares de pessoas, incluindo críticos pacíficos, numa repressão implacável em nome da “segurança nacional”, pela detenção prolongada de centenas de pessoas sem formulação de acusações nem julgamento e a condenação de centenas de outras à pena de morte.
Estados Unidos: pela manutenção em funcionamento do centro de detenção de Guantánamo, um exemplo das graves consequências da “guerra global ao terrorismo”, e pelo falhanço em levar a tribunal os responsáveis por tortura e desaparecimentos forçados.
Eslováquia: pela continuada discriminação generalizada das comunidades ciganas apesar de anos de esforços desenvolvidos por grupos nacionais e regionais, o que levou a Comissão Europeia a abrir procedimentos contra o país por infração da legislação europeia.
Gâmbia: por práticas de tortura e desaparecimentos forçados e pela criminalização das pessoas da comunidade LGBTI.
Hungria: por ter encerrado as fronteiras a milhares de refugiados em situações de extrema necessidade e por obstruir as tentativas coletivas regionais para os ajudar.
Israel: por manter o bloqueio militar a Gaza e, dessa forma, continuar a punição coletiva de 1,8 milhão de habitantes da região.
México: pelo grave registo de abusos de direitos humanos, incluindo os 27 mil desaparecidos no país, e pela dura resposta dada às críticas feitas pela ONU sobre o uso generalizado de tortura, permitindo assim uma quase total impunidade apesar do aumento de denúncias.
Paquistão: pelas falhas graves em matéria de direitos humanos na resposta dada ao terrível massacre numa escola em Peshawar, incluindo o recurso inflexível à pena de morte, e pela política sobre as organizações não-governamentais internacionais que dá às autoridades o poder de as vigiar e fechar caso sejam consideradas “contra os interesses” do país.
Quénia: pelas execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e discriminação de refugiados nas operações antiterrorismo.
Reino Unido: pelo recurso continuado à vigilância maciça em nome do combate ao terrorismo e pelas regressivas tentativas para se escapar à supervisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
Rússia: pelo recurso repressivo a legislação de segurança nacional e a leis anti- extremismo vagamente formuladas e pelas tentativas concertadas para silenciar a sociedade civil no país.
Síria: pela morte de milhares de civis em ataques diretos e indiscriminados, pela prática de tortura contra pessoas detidas e pela imposição de cercos prolongados a zonas civis, impedindo a chegada de ajuda internacional a civis esfomeados.
Tailândia: pela condenação à prisão de críticos pacíficos e pela recusa das autoridades militares aos apelos internacionais para que acabem com a restrição excessiva dos direitos que levam ao silenciamento da dissidência em nome da “segurança”.
Venezuela: pela continuada falta de justiça em casos de graves violações de direitos humanos e constantes ataques a defensores de direitos humanos no país.


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Alguns avanços em Direitos Humanos em 2015 

Mas apesar do ano de 2015 ter ficado marcado por um ataque global às liberdades, houve também conquistas e ganhos no exercício dos direitos humanos e na reparação devida àqueles que foram vítimas de abusos em todas as regiões do mundo.
Como, por exemplo, a aprovação, em dezembro, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Resolução sobre os Defensores dos Direitos Humanos, com o apoio de mais de 190 organizações não-governamentais (ONG) que exorta à responsabilização pelos ataques perpetrados contra estas pessoas e insta os Estados a libertarem todos quantos estão detidos arbitrariamente por exercerem os direitos fundamentais de liberdade de expressão e de reunião pacífica. Ou a abolição da pena de morte em três países: Madagáscar, as ilhas Fiji e o Suriname. E em muitos outros países deram-se passos no respeito pelos direitos humanos.

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terça-feira, 3 de maio de 2016

Trabalho Digno e Humanização para Todos

“O trabalho humano é parte da criação e continua a obra criadora de Deus”

“O trabalho é uma vocação porque nasce de um chamado que Deus dirigiu ao homem, desde o início, para que cultivasse e cuidasse da casa comum”.

“Trabalhar é próprio da pessoa humana. Exprime a sua dignidade de ser criada à imagem de Deus. Por isso, se diz que o trabalho é sagrado. E por isso a gestão da ocupação é uma grande responsabilidade humana e social, que não pode ser deixada nas mãos de poucos ou descarregada sobre um mercado divinizado. Causar uma perda de postos de trabalho significa causar um grave dano social. Eu entristeço-me quando vejo que há gente sem trabalho, que não encontra trabalho e não tem a dignidade de levar o pão para casa.”
  • no último trimestre de 2015, os contratos a termo e os de prestação de serviços (recibo verde) ultrapassaram a barreira dos 820 mil (18% da população empregada); os precários e desempregados são mais de 50% da força trabalhadora desde 2012
“Não existe pior pobreza material da que não permite que se ganhe o pão e priva da dignidade do trabalho. O desemprego juvenil, a precariedade e a falta de direitos laborais não são inevitáveis, são o resultado de uma prévia opção social, de um sistema económico que põe os lucros acima do homem, são efeitos de uma cultura do “descartável”, que considera o ser humano como um bem de consumo, que se pode usar e depois deitar fora.”
  • em fevereiro de 2016, o Instituto de Emprego e Formação Profissional registou quase 756 mil pessoas sem emprego
“Vivemos num tempo de grande exploração dos trabalhadores; um tempo onde o trabalho não está ao serviço da dignidade do homem, mas é um trabalho escravo. Eis porque é preciso, hoje, educar a um "novo humanismo" do trabalho. Todos devemos lutar para que o trabalho seja uma instância de humanização e de futuro; seja um espaço para construir sociedade e cidadania.”
  • de acordo com os dados disponibilizados pela Segurança Social, em março, mais de 372 mil desempregados não recebiam subsidio de desemprego

“A sociedade não é justa se não oferece a todos um trabalho ou se explora os trabalhadores. Porque não há liberdade sem justiça e não há justiça sem o respeito da dignidade de cada um”.

(citações do Papa Francisco sobre o Trabalho)


Trabalho Digno e Humanização para Todos – foi o tema duma conferência promovida pela LOC/MTC (Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos) e pela ACR (Acção Católica Rural), no passado dia 8 de Abril. A reflexão é da economista Manuela Silva. 

“Segundo o último relatório da OIT, o conceito de trabalho digno resume as aspirações do ser humano no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; melhores perspetivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens.”

“O trabalho digno deveria estar no centro das estratégias globais, nacionais e locais que visam o progresso económico e social. “

O texto que serviu de base à conferência está disponível Aqui