quinta-feira, 28 de abril de 2016

PANAMÁ PAPERS – uma questão de Justiça e Paz


Os paraísos fiscais, vulgo offshores, não são propriamente ilhas no sistema financeiro, mas sim uma base essencial do sistema que permite aos rendimentos do capital escapar aos mecanismos sociais de repartição e redistribuição do rendimento. 

Segundo a Tax Justice Network, uma organização britânica pela defesa da justiça fiscal, a riqueza mundial depositada em offshores representa qualquer coisa entre os 21 e os 32 milhões de milhões de dólares e 50 dos principais bancos internacionais — com nomes conhecidos e respeitados como UBS, Credit Suisse, Goldman Sachs, Bank of America e Deutsche Bank, gerem e controlam mais de 12.000 milhares de milhões de dólares, ou seja, mais de metade do total investido em paraísos fiscais.

Estes valores, verdadeiramente astronómicos, correspondem a cerca de 1/4 do rendimento gerado anualmente em todo o mundo. É riqueza que permanece quase integralmente oculta, quase sempre com objetivos pouco honrados - evasão fiscal, lavagem de dinheiro com origem criminal, financiamento da corrupção, do terrorismo, da guerra.

Os impostos que ficam por cobrar todos os anos correspondem a um valor próximo do PIB português. São receitas perdidas que têm de ser compensadas com mais impostos sobre quem efetivamente os paga e/ou com a redução dos serviços públicos, como a saúde, o ensino, a segurança social.

Mas este flagelo não acontece apenas em destinos exóticos como Panamá, Ilhas Caimão e outros que tais. Países como os EUA, o Reino Unido, a Suíça e o Luxemburgo são responsáveis por uma parte substancial dos impostos que ficam por cobrar devido à opacidade de alguns dos serviços financeiros que prestam.

E é precisamente por terem os seus principais atores no seio dos países mais ricos que os offshores continuam a existir e que as medidas anunciadas após cada escândalo - LuxLeaks, SwissLeaks, Panama Papers, e os que virão a seguir - ficam sempre muito aquém do que seria necessário para acabar com esta vergonhosa realidade.

E não irá acabar até que as populações do mundo tomem consciência, se organizem e forcem o seu fim.



Após as revelações escandalosas dos Panamá Papers, têm sido múltiplas as declarações condenatórias dos esquemas fraudulentos praticados com a cobertura que é dada aos paraísos fiscais. Mas a verdade é que, apesar de há muito se saber da imensa fraude fiscal e do alto grau de impunidade com que empresas e particulares fogem aos impostos e ao cumprimento das leis dos países ou territórios onde operam, os passos dados para lhes pôr cobro têm sido tímidos e ineficazes, continuando as grandes empresas a aproveitar ao máximo uma forte competição entre os estados europeus em matéria de fiscalidade. 

O segredo protege os mais poderosos que pagam verdadeiras fortunas a intermediários para esconderem os seus patrimónios, tanto os resultantes de negócios lícitos como de vias criminosas. Não há sistema financeiro saudável que resista a tais práticas, as desigualdades acentuam-se, os orçamentos dos estados ficam sob pressão e a democracia perde terreno.


A Comissão Nacional Justiça e Paz, num pequeno texto, denuncia os procedimentos em uso nos offshores e incentiva os cidadãos e em particular os cristãos a que exijam dos governos e das instituições medidas urgentes que ponham termo aos desmandos em causa, os quais estão na origem de muitos dos males que afligem as nossas sociedades, designadamente, as grandes desigualdades na repartição da riqueza e do rendimento, a fuga aos impostos, a alimentação de negócios ilícitos e a lavagem de dinheiro.


“É importante que nós, cristãos, nos indignemos, não apenas de modo privado, mas de alta voz. O combate a esta situação passa por uma concertação internacional, é certo, mas até onde deixamos ir este escândalo? Não teremos que exigir que os governos e as instituições que nos servem tomem medidas mais eficazes e menos contemporizadoras?”


O texto na íntegra pode ser lido aqui.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

DIA DA TERRA

Desde 2009 que a Organização das Nações Unidas dedicou o dia 22 de Abril ao cuidado da Mãe Terra, que é a nossa casa e a casa de todos os seres vivos. 
Foi em 1992, no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro, que surgiu a iniciativa da elaboração duma carta do planeta Terra. Após 8 anos de discussão em todos os continentes, envolvendo 46 países e mais de 100 mil pessoas - escolas primárias, esquimós, indígenas da Austrália, do Canadá e do Brasil, entidades da sociedade civil, grandes centros de pesquisa, universidades, empresas e religiões - ela foi aprovada, em 2000, pela Unesco em Paris, com o mesmo valor da  Declaração dos Direitos Humanos.
Surgiu assim a CARTA DA TERRA 
A Carta da Terra é uma declaração dos povos sobre a interdependência de todos os seres vivos do planeta e a íntima relação que existe entre os vários setores da sociedade e o meio ambiente. Está estruturada sobre quatro grandes pilares: 
1. Respeito e cuidado pela comunidade da vida 
2. Integridade Ecológica 
3. Justiça Social e Económica
4. Democracia, Não-violência e Paz
Considerada uma declaração de princípios éticos para o desenvolvimento sustentável no século XXI, a Carta alia ideias e valores das diversas religiões do mundo e a sabedoria de tradições filosóficas com o conhecimento científico em áreas como ecologia e cosmologia. Muito mais do que apenas fundamentos vagos, a Carta deixa clara a responsabilidade do ser humano, independente de sua nacionalidade, com a nossa Casa Comum, o planeta Terra.


Do Preâmbulo da Carta:
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça económica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida e com as futuras gerações. 

TERRA, NOSSO LAR 
A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva como uma comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global, com seus recursos finitos, é uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é  um dever sagrado.

A SITUAÇÃO GLOBAL
Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

DESAFIOS PARA O FUTURO
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, económicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes. 

RESPONSABILIDADE UNIVERSAL
Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas. Cada um compartilha da responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade tendo em conta o lugar que ocupa o ser humano na natureza.
Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes, visando um modo de vida sustentável como critério comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos, e instituições transnacionais será guiada e avaliada.




sábado, 16 de abril de 2016

Mas as crianças, Senhor…


Iémen - O relatório “Children on the Brink” da UNICEF, divulgado no passado 26 de Março, destaca o pesadíssimo impacto que a violência está a ter nas crianças no Iémen e na deterioração da já precária situação humanitária. Em 2015, a UNICEF confirmou mais de 1.500 violações graves contra as crianças, mais de 2000 foram mortas ou feridas nos conflitos de guerra. “As crianças estão a pagar um preço brutal de um conflito para o qual não contribuem minimamente. Elas têm sido mortas ou mutiladas, e as que sobrevivem correm perigo de vida. As crianças não estão seguras em lado nenhum, mesmo quando estão a brincar ou a dormir,” lê-se no relatório. Com a escalada do conflito, o recrutamento e uso de crianças na guerra, algumas com apenas dez anos de idade, aumentou exponencialmente. As crianças têm agora um papel muito mais ativo nos confrontos, nos postos de controlo e no transporte de armas. Por todo o Iémen, os serviços básicos estão paralisados devido à escassez de combustível, eletricidade, água e alimentos. A UNICEF estima que, para além das perto de 40.000 crianças menores de cinco anos que morrem anualmente no Iémen, mais de 10.000 da mesma faixa etária não terão resistido no último ano devido à degradação dos serviços de saúde vitais como a vacinação e o tratamento de doenças como a diarreia e a pneumonia. O país, que já era o mais pobre da região e um dos mais pobres do mundo, está à beira do colapso devido ao conflito. Cerca de 10 milhões de crianças, ou seja, 80% das crianças do Iémen precisam de assistência humanitária urgente.


Nigéria, Camarões, Chade, Níger - O número de crianças envolvidas em ataques ‘suicidas’ nestes países aumentou drasticamente em 2015 - de 4 para 44 - segundo dados da UNICEF divulgados no passado dia 12 de Abril. Mais de 75% das crianças envolvidas nos ataques são raparigas. “Sejamos claros: estas crianças são vítimas, não autores de crimes,” afirmou Manuel Fontain, Diretor Regional da UNICEF para a África Central e Ocidental. “Ludibriar crianças e forçá-las a praticar atos mortais tem sido um dos aspetos mais aterradores da violência na Nigéria e nos países vizinhos.”

Lançado dois anos depois do rapto de mais de 200 raparigas em Chibok, o relatório “Beyond Chibok “ revela tendências alarmantes em quatro países afetados pelo grupo terrorista Boko Haram nos últimos dois anos:

1. Entre Janeiro de 2014 e Fevereiro de 2016, os Camarões registaram o número mais elevado de ataques suicidas envolvendo crianças (21), seguindo-se a Nigéria (17) e o Chade (2).

2. Durante os últimos dois anos, perto de 1 em cada 5 bombistas suicidas era uma criança e três quartos destas crianças eram raparigas. No ano passado, as crianças foram usadas em metade dos ataques nos Camarões, em 1 em cada 8 no Chade, e em 1 em cada 7 na Nigéria.

3. Em 2015, pela primeira vez, os ataques bombistas ‘suicidas’ alastraram para além das fronteiras da Nigéria. A frequência destes ataques aumentou de 32 para 151 entre 2014 e 2015: 89 destes ataques foram levados a cabo na Nigéria, 39 nos Camarões, 16 no Chade e 7 no Níger.

O uso premeditado de crianças que podem ter sido coagidas a transportar bombas criou um ambiente de medo e suspeita que tem consequências devastadoras para as raparigas que sobrevivem ao cativeiro e à violência sexual às mãos do Boko Haram no nordeste da Nigéria. As crianças que fogem, ou que são libertadas pelos grupos armados, são muitas vezes vistas como potenciais ameaças à segurança.

O relatório denuncia ainda que:

1. Perto de 1.3 milhões de crianças foram deslocadas;
2. Cerca de 1.800 escolas estão fechadas, porque foram danificadas, pilhadas, incendiadas ou porque são usadas como abrigo por pessoas deslocadas;
3. Há registo de mais de 5.000 crianças não acompanhadas ou separadas dos seus pais.





quinta-feira, 7 de abril de 2016

EU TENHO UM SONHO


Na manhã de 4 de abril de 1968 Martin Luther King foi assassinado a tiro na cidade de Memphis, dois anos após ter recebido o Prémio Nobel da Paz em função de seu trabalho no combate pacifico contra o preconceito racial nos Estados Unidos.
Ficou famoso o seu discurso, em Agosto de 1963, pronunciado na escadaria do Monumento a Lincoln, em Washington, ouvido por mais de 250.000 pessoas de todas as etnias, reunidas na capital dos Estados Unidos da América, após a «Marcha para Washington por Emprego e Liberdade». A manifestação foi organizada como uma maneira de divulgar de uma forma dramática as condições de vida desesperadas dos negros no Sul dos Estados Unidos e exigir ao poder federal um maior compromisso na segurança física dos negros e dos defensores dos direitos civis, sobretudo no Sul. 
Parte final do seu discurso:
(…)
Eu digo a vocês hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo o estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver numa nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação, nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, defender juntos a liberdade, e quem sabe, nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado:

"Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.
Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,
De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!"

E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro.
E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire.
Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York.
Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania.
Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado.
Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia.
Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia.
Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee.
Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi.
Em todas as montanhas, ouvirei o sino da liberdade.
E quando isto acontecer, quando nós permitirmos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em todas as casas e todos os vilarejos, em todos os estados e em todas as cidades, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar as palavras do velho espiritual negro:

"Livre afinal, livre afinal.
Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal."