segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Música para a Esperança


Tocar piano debaixo das bombas na esperança da paz



«Quando comecei a tocar o piano nas ruas de Yarmouk, entre os palácios esventrados pelas bombas, fi-lo porque vivíamos numa situação terrível e as pessoas, sobretudo as crianças, precisavam de escutar o som da música e não apenas o das explosões. Todos precisávamos de nos agarrar a uma esperança. É certo que então não imaginava que conseguiria fugir daquele pesadelo. Para dizer a verdade, pensava que talvez pudesse tocar por dois, três dias e que depois a minha vida, de repente, acabaria debaixo das ruínas de um qualquer edifício atingido por uma bomba

Quem assim fala é Aeham Ahmad, o pianista de Yarmouk, na Síria, cujos vídeos dos seus concertos entre as ruínas, há dois anos, deram a volta ao mundo. Agora é ele - que há mais de um ano vive em Wiesbaden, na Alemanha - que dá a volta ao mundo, dedicando aos sírios - «que querem viver livres mas não têm qualquer voz» - o primeiro álbum das suas composições, que intitulou "Música para a esperança". 

Se em Yarmouk, onde nasceu há 28 anos numa família de deslocados palestinianos, a sua música era uma forma de resistência à guerra, um instrumento para dar alívio ao estrondo dos bombardeamentos, os seus concertos são hoje um testemunho. «Eu toco e canto a tragédia da Síria. Não apenas aquelas que contam os jornais sobre os combates entre o Estado Islâmico, a Frente Al-Nusra, o exército de Assad, os russos: eu canto sobretudo a resistências da gente que quer viver, que gostaria de sair do horror em que caiu há anos. A minha é uma música de inspiração clássica - nas ruas comecei a tocar Beethoven, que estudei no Conservatório de Damasco - juntamente com os versos e as melodias do canto árabe, mas as palavras das minhas composições narram um drama atual e terrível».

Para Aeham Ahmad a Síria é o terreno de confronto de interesses estratégicos, económicos e políticos. «Eu vi isso com os meus próprios olhos no inferno de Yarmouk. A guerra não é do povo sírio, é contra o povo sírio. As pessoas normais querem viver em paz. Aqueles que combatem são grupos financiados e enquadrados por potências externas, mas aqueles que morrem são os sírios. Nós somos as primeiras vítimas do terrorismo e da violência. E a trágica contabilidade do conflito demonstra-o, ainda que dos mais de 400 mil mortos não se fale muito nos jornais. Para isolar os terroristas é preciso interromper o fornecimento de armas, prestar atenção aos tráficos de petróleo, não subvalorizar o papel dos combatentes estrangeiros, que são milhares. Um grande erro é a ilusão de poder manipular grupos de milicianos: um dia é certo que eles se virarão contra quem os apoiou. Disso sabe algo a Turquia, que é vítima desta lógica perversa».


Mas a música pode ajudar num drama destas proporções? «Talvez a música não chegue. Mas também a música pode servir para fazer compreender a tragédia que se está a consumar. Pelo menos é esta a minha esperança: a mesma esperança que me impelia a tocar o piano montado na carreta do meu tio debaixo das bombas nas ruas devastadas de Yarmouk».



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