terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Colocar no centro a dignidade da pessoa humana



O Papa Francisco recebeu, no passado dia 9, o corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé. Alguns extratos do seu discurso:

“Gostaria de dedicar o encontro de hoje ao tema da segurança e da paz, pois considero que, no clima de geral apreensão pelo presente e de incerteza e angústia pelo futuro em que estamos mergulhados, é importante dirigir uma palavra de esperança, que indique também perspetivas de caminho.

“Se, para muitos, a paz aparece hoje de certo modo como um bem indiscutido, quase um direito adquirido a que já não se presta grande atenção, para outros é apenas uma miragem distante. Milhões de pessoas vivem ainda no meio de conflitos insensatos. Mesmo em lugares outrora considerados seguros, nota-se uma sensação geral de medo. Com frequência somos surpreendidos por imagens de morte, pela dor de inocentes que imploram ajuda e consolação, pelo luto de quem chora uma pessoa querida por causa do ódio e da violência, surpreendidos pelo drama dos deslocados que fogem da guerra ou dos migrantes que morrem tragicamente.

Por isso, gostaria de dedicar o encontro de hoje ao tema da segurança e da paz, pois considero que, no clima de geral apreensão pelo presente e de incerteza e angústia pelo futuro em que estamos mergulhados, é importante dirigir uma palavra de esperança, que indique também perspetivas de caminho.”

“Desejo expressar a convicção de que cada autoridade política não se deve limitar a garantir a segurança dos seus cidadãos – conceito que facilmente se pode identificar com um simples «viver tranquilos» – mas sinta-se chamada também a fazer-se verdadeira promotora e obreira de paz. A paz é uma «virtude ativa», que requer o empenho e a cooperação de cada indivíduo e do corpo social no seu todo. Como observava o Concílio Vaticano II, «a paz nunca se alcança duma vez por sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada», tutelando o bem das pessoas, respeitando a sua dignidade. A sua edificação requer, antes de mais nada, que se renuncie à violência na reivindicação dos próprios direitos. Foi precisamente a este princípio que quis dedicar a Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, intitulada: «A não-violência: o estilo duma política para a paz», para lembrar, antes de mais nada, que a não-violência é um estilo político, baseado na primazia do direito e da dignidade de toda a pessoa.

Edificar a paz exige também «eliminar as causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras», a começar pelas injustiças. Com efeito, existe uma ligação íntima entre justiça e paz.”

“É preciso um empenho comum em favor de migrantes, deslocados e refugiados, que permita proporcionar-lhes um acolhimento digno. Isto implica saber conjugar o direito de cada ser humano a «transferir-se para outras comunidades políticas e nelas domiciliar-se» e, ao mesmo tempo, garantir a possibilidade duma integração dos migrantes nos tecidos sociais onde se inserem, sem que estes sintam ameaçada a sua segurança, a própria identidade cultural e os seus próprios equilíbrios político-sociais. Por outro lado, os próprios migrantes não devem esquecer que têm o dever de respeitar as leis, a cultura e as tradições dos países onde são acolhidos.

Uma abordagem prudente por parte das autoridades públicas não envolve a implementação de políticas de fechamento aos migrantes, mas implica avaliar, com sabedoria e clarividência, até que ponto o seu país é capaz, sem lesar o bem comum dos cidadãos, de oferecer uma vida decente aos migrantes, especialmente àqueles que têm real necessidade de proteção. Sobretudo não se pode reduzir a dramática crise atual a uma simples contagem numérica. Os migrantes são pessoas com nomes, histórias, famílias, e não poderá jamais haver verdadeira paz enquanto existir um único ser humano que é violado na sua identidade pessoal e reduzido a mero número estatístico ou a um objeto de interesse económico.

“Penso nos adolescentes que sofrem as consequências do conflito atroz na Síria, privados das alegrias da infância e da juventude: desde a possibilidade de brincar livremente até à oportunidade de ir à escola. Eles e todo o querido povo da Síria estão constantemente presentes no meu pensamento, ao mesmo tempo que apelo à comunidade internacional para que se esforce com diligência por dar vida a uma negociação séria que ponha termo definitivamente ao conflito, causador de um verdadeiro e próprio desastre humanitário. Cada uma das partes em causa deve considerar como prioritário o respeito pelo direito humanitário internacional, garantindo a proteção dos civis e a assistência humanitária necessária à população. O desejo comum é que a trégua recentemente assinada possa ser um sinal de esperança para todo o povo sírio, que dela tem profunda necessidade.

Isto requer também que se trabalhe por erradicar o perverso comércio das armas e a insistência constante de se produzir e disseminar armamentos cada vez mais sofisticados.”

“Inimiga da paz é a ideologia que se vale dos problemas sociais para fomentar o desprezo e o ódio e que vê o outro como um inimigo a aniquilar. Infelizmente assomam, de contínuo, no horizonte da humanidade novas formas ideológicas. Mascarando-se como portadoras de bem para o povo, o que realmente deixam atrás de si é pobreza, divisões, tensões sociais, sofrimento e, por vezes, também morte. Ao invés, a paz conquista-se com a solidariedade. A partir dela germina a vontade de diálogo e a colaboração, que encontra na diplomacia um instrumento fundamental.

“Mas edificar a paz significa também empenhar-se ativamente no cuidado da criação. O Acordo de Paris sobre o clima, que entrou recentemente em vigor, é um sinal importante do compromisso comum para deixar a quem vier depois de nós um mundo belo e habitável. Espero que o esforço empreendido nos últimos anos para enfrentar as alterações climáticas encontre uma cooperação cada vez mais ampla de todos, já que a Terra é a nossa casa comum e é preciso considerar que as opções de cada um têm repercussões na vida de todos.


“A paz é um dom, um desafio e um compromisso. Um dom porque brota do próprio coração de Deus; um desafio porque é um bem que nunca é um dado adquirido mas deve ser continuamente conquistado; um compromisso, porque requer, na sua busca e construção, o trabalho apaixonado de todas as pessoas de boa vontade. Por isso só há verdadeira paz a partir duma visão do homem que saiba promover o seu desenvolvimento integral, tendo em conta a sua dignidade transcendente, já que «o desenvolvimento – como recordava o Beato Paulo VI – é o novo nome da paz». Assim os meus votos para o ano há pouco iniciado são estes: que possam aumentar entre os nossos países e seus respetivos povos as ocasiões para trabalhar juntos e construir uma paz autêntica.

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