sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Que fizemos do pássaro azul que nos transporta?


A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) acaba de publicar uma Nota, com “Um apelo face à seca que nos sufoca”. 

Tendo em conta que Portugal está, mais uma vez, em situação de seca extrema, “Temos de repensar e refazer o nosso estilo de vida: poupar, racionalizar e partilhar, reutilizar a água de que dispomos” – refere a Nota.

Será que estamos verdadeiramente conscientes de que não podemos adiar, mais uma vez, a tarefa para a qual todos somos convocados, sob pena de prejudicar gravemente o nosso futuro comum?


Um apelo face à seca que nos sufoca

A água, um bem precioso, está-se tornando raro à medida que continuam as agressões do ser humano a este bem comum. Também a “água viva” indica a nossa sede do transcendente que é também vital para renovar o sentido da nossa presença no mundo: a água da qual somos todos responsáveis e que é causa de divisão e de guerra na humanidade.

Num manifesto intitulado “Avisos dos Cientistas do Mundo à Humanidade”, cerca de 15.000 cientistas – homens e mulheres de mais de cem países – alertam, com “considerações academicamente sustentadas”, para aquilo que o Papa Francisco veementemente nos diz na Laudato Si’: a Terra e a Humanidade não suportarão, por muito mais tempo, o sofrimento que cada um e cada uma de nós lhes causamos.

“Que fizemos do pássaro azul que nos transporta?” é a interpelação que nos faz esse grupo de cientistas referindo o que há anos escreveu Tich Nhat Hanh, um monge budista vietnamita: a Terra é o «gigantesco pássaro que nos leva numa viajem extraordinária».

Já em 2008, um Relatório da Comissão Independente sobre a População e Qualidade de Vida publicado em diversas línguas, na secção intitulada “Respeitar os limites da capacidade de carga da Terra” sublinha “o caráter crucial da água tanto para a qualidade de vida como para a própria sobrevivência humana”, perguntando: “Terão o clima, os rios e oceanos de todo o mundo capacidade para enfrentarem, sem um colapso catastrófico, os padrões, presentes e futuros, de produção e consumo?

Estaremos a caminho de ultrapassar os limites da Natureza e, se assim for, que poderemos fazer para nos mantermos dentro deles?”. Passados quase 30 anos sobre estas interpelações constatamos que estes factos se estão a passar, e mais cedo do que alguma vez esperaríamos.

Somos água e não podemos sobreviver sem ela: 60% do nosso corpo é água (70% do nosso cérebro, 80% do nosso sangue); apenas 3% da água em todo o mundo é potável, menos de 1% é acessível para consumo; uma em 5 pessoas em todo o mundo não tem acesso a água potável. A UNICEF indica que uma criança morre todos os quinze segundos por doenças ligadas à água não potável. Há mais deslocados por causa da água contaminada do que populações que se deslocam por causa das guerras. Em média, cada português gasta por dia o dobro da quantidade máxima de água recomendada pelas Nações Unidas.

O nosso país está neste momento em situação de seca extrema em grande parte do seu território, uma seca sufocante e maligna, que está e continuará a ter repercussões irreversíveis. Seremos apenas, e mais uma vez, vítimas de um problema mundial ou podemos lançar uma interpelação entre nós todos e a cada um: “Que fizemos da água de que precisamos para, simplesmente, podermos sobreviver?” A Comissão Nacional Justiça e Paz propõe que a questão seja colocada no presente: Que queremos fazer com a água que é nosso bem comum? Governo, responsáveis autárquicos e especialistas nesta matéria têm o diagnóstico feito. Algumas medidas “de recurso” têm sido tomadas. A sociedade civil está alertada para o facto de que temos de repensar e refazer o nosso estilo de vida: poupar, racionalizar e partilhar, reutilizar a água de que dispomos. Um alerta tão veemente pressupõe uma mudança da nossa mentalidade consumista, imediatista e de desperdício, de horizontes estreitos, irresponsável e narcísica.

Precisamos de “um olhar global” mas simultaneamente de um “agir local”, aqui e agora, nas nossas casas, nas escolas, nas comunidades e suas instituições. Precisamos de uma pedagogia [de utilização] da água! Enquanto cidadãs e cidadãos - incluindo crianças, jovens, idosos, nas cidades ou em zonas rurais, em empresas ou em instituições de solidariedade – tomemos em nossos ombros e em conjunto esta urgência, respondendo-lhe com um projeto de cidadania. Reeduquemo-nos uns aos outros porque todos temos iguais responsabilidades, embora seja certo que muitos estão a sofrer mais do que outros. “Todos somos pobres!” afirmou o Papa Francisco há dias.

A CNJP reconhece os gestos de solidariedade – individual e coletiva – perante os desastres ambientais que nos assolam. Mas vem, simultaneamente, interpelar novamente os cristãos e a sociedade civil: que a Água que nos dá a Vida, humana e espiritualmente, seja por todos nós considerada – mulheres e homens de boa vontade - um bem da Criação que nos foi confiado, limitado e escasso, é certo, mas a que todos sem exceção temos direito.

Que tenhamos Vida para Todos, e uma Vida em Solidária Abundância!


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