Cerca
de 600 milhões de crianças, ou seja, 1 em cada 4, estarão a viver em 2040 em
zonas nas quais a procura de água excede largamente os recursos disponíveis, de
acordo um relatório da UNICEF lançado no Dia Mundial da Água.
O Relatório, Sedentos de um futuro: A água
e as crianças num clima em mudança, analisa as ameaças para a vida e o
bem--estar das crianças causadas pela escassez de fontes de água em condições e
o modo como as alterações climáticas irão agravar estes riscos nos próximos
anos.
“A água é essencial; sem ela nada pode
crescer. Mas há no mundo milhões de crianças que não tem acesso a água segura –
o que põe em perigo as suas vidas, prejudica a sua saúde, e compromete o seu
futuro. Esta crise será cada vez maior, salvo se agirmos agora de forma coletiva.”
afirma Anthony Lake, Diretor Executivo da UNICEF.
Segundo
o relatório, 37 países enfrentam atualmente níveis de stress hídrico extremamente
elevados, situação que ocorre quando mais de 80 por cento da água disponível
para a agricultura, indústria e uso doméstico se esgota anualmente.
O
aumento das temperaturas, a subida dos níveis do mar, o número cada vez maior
de cheias, secas e o degelo podem afetar a qualidade e a quantidade de água
disponível. O crescimento da população, o aumento do consumo de água e da
procura deste recurso, em grande medida devido à industrialização e à
urbanização, estão a esgotar os recursos hídricos ao nível mundial. Os
conflitos em muitas zonas do globo ameaçam também o acesso das crianças à água
para beber.
Todos
estes fatores obrigam as crianças a recorrer a água imprópria contaminada,
expondo-as a doenças que podem ser mortais como a cólera ou a diarreia. Muitas
crianças em zonas afetadas por secas gastam várias horas por dia para ir buscar
água, o que as priva da possibilidade de irem à escola. As raparigas são
especialmente vulneráveis a assaltos nesses percursos. As crianças mais pobres
e mais vulneráveis são as que mais irão sofrer com o aumento do stress hídrico,
dado que milhões delas, já vivem atualmente em zonas com acesso reduzido a água
segura e saneamento.
O
relatório salienta ainda que:
· 260 milhões de crianças vivem atualmente
em zonas onde o risco de cheias é extremamente elevado e a defecação ao ar
livre uma prática generalizada, ameaçando contaminar fontes de água com dejetos
humanos;
· Mais de 800 crianças menores de cinco
anos morrem diariamente de diarreia associada às condições muito precárias da
água, saneamento e higiene;
· A nível global, as mulheres e as
raparigas gastam 200 milhões de horas diárias a recolher água.
Também
o Papa Francisco se associou à celebração do Dia Mundial da Água, apelando ao
respeito por um bem que é de todos. Já em 2015, na carta encíclica ‘Laudato
Si’, dedica um ponto específico à “questão
da água”:
27. Outros indicadores da situação actual têm a ver com o
esgotamento dos recursos naturais. É bem conhecida a impossibilidade de
sustentar o nível actual de consumo dos países mais desenvolvidos e dos
sectores mais ricos da sociedade, onde o hábito de desperdiçar e jogar fora
atinge níveis inauditos. Já se ultrapassaram certos limites máximos de
exploração do planeta, sem termos resolvido o problema da pobreza.
28. A água potável e limpa constitui uma
questão de primordial importância, porque é indispensável para a vida humana e
para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos. As fontes de água doce
fornecem os sectores sanitários, agro-pecuários e industriais. A
disponibilidade de água manteve-se relativamente constante durante muito tempo,
mas agora, em muitos lugares, a procura excede a oferta sustentável, com graves
consequências a curto e longo prazo. Grandes cidades, que dependem de
importantes reservas hídricas, sofrem períodos de carência do recurso, que, nos
momentos críticos, nem sempre se administra com uma gestão adequada e com imparcialidade.
A pobreza da água pública verifica-se especialmente na África, onde grandes
sectores da população não têm acesso a água potável segura, ou sofrem secas que
tornam difícil a produção de alimento. Nalguns países, há regiões com
abundância de água, enquanto outras sofrem de grave escassez.
29. Um problema particularmente sério é
o da qualidade da água disponível para os pobres, que diariamente ceifa muitas
vidas. Entre os pobres, são frequentes as doenças relacionadas com a água,
incluindo as causadas por microorganismos e substâncias químicas. A diarreia e
a cólera, devidas a serviços de higiene e reservas de água inadequados,
constituem um factor significativo de sofrimento e mortalidade infantil. Em
muitos lugares, os lençóis freáticos estão ameaçados pela poluição produzida
por algumas actividades extractivas, agrícolas e industriais, sobretudo em
países desprovidos de regulamentação e controles suficientes. Não pensamos
apenas nas descargas provenientes das fábricas; os detergentes e produtos químicos
que a população utiliza em muitas partes do mundo continuam a ser derramados em
rios, lagos e mares.
30. Enquanto a qualidade da água
disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para se
privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do
mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura
é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a
sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros
direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres
que não têm acesso à água potável, porque isto é
negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável. Esta
dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições económicas para prover
de água limpa e saneamento as populações mais pobres. Entretanto nota-se um
desperdício de água não só nos países desenvolvidos, mas também naqueles em
vias de desenvolvimento que possuem grandes reservas. Isto mostra que o
problema da água é, em parte, uma questão educativa e cultural, porque não há
consciência da gravidade destes comportamentos num contexto de grande
desigualdade.
31. Uma maior escassez de água provocará
o aumento do custo dos alimentos e de vários produtos que dependem do seu uso.
Alguns estudos assinalaram o risco de sofrer uma aguda escassez de água dentro
de poucas décadas, se não forem tomadas medidas urgentes. Os impactos
ambientais poderiam afectar milhares de milhões de pessoas, sendo previsível
que o controle da água por grandes empresas mundiais se transforme numa das
principais fontes de conflitos deste século.
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