Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz
A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou recentemente o Relatório
Mundial sobre os Salários 2016/2017 (Global Wage Report 2016/2017: Wage
inequality in the workplace) onde analisou, de forma desenvolvida, aspetos
da desigualdade salarial no local de trabalho. Esta Agência das Nações Unidas,
que integra representantes dos governos, de empregadores e dos trabalhadores,
produz estudos e documentos que incorporam conhecimentos do «mundo real» sobre
trabalho e emprego considerados rigorosos e credíveis.
A
Comissão Nacional Justiça e Paz, ao tomar conhecimento desse relatório,
refletiu sobre o seu conteúdo e decidiu tecer algumas considerações sobre os
salários, não só em Portugal, como noutros países do mundo.
Da
leitura do relatório ressaltam, entre outros, os seguintes aspetos:
1-
O crescimento dos salários reais tem vindo a diminuir nos últimos anos. Passou de
2,5% em 2012 para 1,7 % em 2015. Em Portugal, a desaceleração do crescimento
salarial iniciou-se em 2010 e manteve-se constante em 2015.
2-
Desde 1999 o crescimento dos salários médios tem ficado abaixo do crescimento
da produtividade do trabalho. Isto quer dizer que, na generalidade dos países,
incluindo Portugal, os ganhos da produtividade não têm sido repercutidos nos
salários.
3-
Os rendimentos do trabalho têm vindo a perder peso no conjunto do rendimento
nacional. Em Portugal, por exemplo, o rendimento do trabalho representava 60%
do total do rendimento em 2002, enquanto que em 2015 este valor era de 51%.
Esta é uma tendência mundial com consequências sociais e económicas negativas,
como é reconhecido.
4-
Muitos países fixaram, ou reforçaram, o salário mínimo. Está provado por
estudos recentes que, quando os salários mínimos são fixados a um nível
adequado – tendo em consideração as necessidades dos trabalhadores e suas
famílias, assim como fatores económicos –, eles podem aumentar os salários dos trabalhadores
de baixos salários – muitos dos quais são mulheres – sem efeitos negativos no
número de empregos. Em 2013 um trabalhador português com salário mínimo recebeu
menos de 50% do salário médio desse ano.
5-
A desigualdade salarial é uma tendência que tem aumentado em muitos países. Em
2010, na Europa, os 10% dos trabalhadores mais bem pagos obtiveram 25% da massa
salarial, 1% dos mais bem pagos receberam 5,8% e 50% dos trabalhadores de mais
baixos salários receberam 30%. Em Portugal os números acima referidos passariam
a 30%, 6,9% e 24,7%. Como se vê, a desigualdade é mais acentuada. A
desigualdade salarial pode conduzir a uma coesão social mais fraca, ao consumo
reduzido das famílias e a taxas mais baixas de crescimento económico.
6-
A nível mundial verifica-se uma disparidade entre os salários dos homens e os
das mulheres. Em Portugal essa disparidade existe, embora não seja tão
acentuada como noutros países. Em 2013, nos cargos de alta direção, no grupo
que representa 1% dos que recebem salário mais elevado, o trabalhador masculino
recebe 2 vezes mais que o seu congénere do sexo feminino. Reconheça-se que esta
situação tem vindo a alterar-se por força de legislação adotada por vários
países.
7-
Em jeito de conclusão e tendo em consideração que a estagnação dos salários
médios e a redução do peso do rendimento do trabalho no rendimento nacional
podem ter consequências tanto sociais como económicas, há que adotar medidas,
preconizadas no relatório, como sejam, entre outras: fixar o salário mínimo,
apoiar a contratação coletiva, ponderar o peso dos salários de topo, fomentar o
crescimento da produtividade, reduzir as desigualdades entre salários de homens
e mulheres, adotar políticas fiscais favoráveis.
Perante
as questões levantadas neste relatório da OIT, a Comissão Nacional Justiça e
Paz lembra que tudo o que se relacione com o trabalho e o emprego não pode
deixar nenhum cidadão indiferente. Lutar por um trabalho digno para todos,
pagar salários justos, reduzir as grandes disparidades remuneratórias,
respeitar os equilíbrios entre empregadores e empregados, reduzir a
precariedade do emprego e eliminar todas as formas de exploração laboral
constituem objetivos que devem ser prosseguidos por todos os que ambicionam
viver numa sociedade justa e pacífica. Em todo este conjunto de preocupações, o
salário representa um aspeto importante, uma vez que a grande maioria dos
cidadãos (com as suas famílias) dependem exclusivamente do salário que auferem.
Salários demasiadamente baixos são responsáveis por níveis de pobreza
intoleráveis.
Recentemente,
em Portugal, foi aumentado o salário mínimo. É uma medida que vem no caminho
certo, que ajuda o combate à pobreza, mas que ainda é manifestamente
insuficiente.
O
pensamento cristão desde sempre tem afirmado a dignidade do trabalho e a
obrigação da prática de salários justos. A carta de S. Tiago denuncia aqueles
ricos que só pensam neles: «O salário que não pagastes aos trabalhadores que
ceifaram os vossos campos está a clamar; e os clamores dos ceifeiros chegaram
aos ouvidos do Senhor do universo!» (Tg 5,4).
Na
Encíclica Laborem exercens, de São João Paulo II, sobre o trabalho
humano, um dos mais notáveis dos documentos da Doutrina Social da Igreja, pode
ler-se no n. 19:
«[…]
o salário justo torna-se, em todos os casos, a verificação concreta da justiça
de cada sistema socio-económico […]».
«[…]
A justa remuneração do trabalho das pessoas adultas, com responsabilidades
familiares, é a que for suficiente para fundar e manter dignamente a família e
para garantir o seu futuro[…]».
Mais
recentemente, o Papa Francisco, na sua Carta Apostólica Misericordia et
misera, lembra que «não ter trabalho nem receber um salário justo são
situações que atentam contra a dignidade da pessoa» (n.19). Noutra ocasião (na
homilia da missa de Santa Marta de 19 de maio de 2016) o mesmo Papa Francisco
chegou a afirmar: «explorar trabalhadores é um pecado mortal».
Neste
Tempo Pascal de 2017, a Comissão Nacional Justiça e Paz pede aos detentores de
poder político e económico, aos empregadores, aos dirigentes sindicais, aos
responsáveis de associações patronais, aos trabalhadores em geral e a todos os
homens e mulheres de boa vontade que se empenhem na construção de uma sociedade
mais justa, mais igualitária e onde sejam respeitados os direitos inalienáveis
da pessoa na relação com o seu trabalho.
Lisboa,
24 de abril 2017
A
Comissão Nacional Justiça e Paz
Ver AQUI o Relatório
Sem comentários:
Enviar um comentário