“Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de
voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos
improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz”.
“Sabemos a grande dificuldade que há, no
mundo contemporâneo, para se poder identificar claramente a pobreza. E todavia
esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos vincados pelo
sofrimento, a marginalização, a opressão, a violência, as torturas e a prisão,
pela guerra, a privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e o
analfabetismo, pela emergência sanitária e a falta de trabalho, pelo tráfico de
pessoas e a escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A
pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis
interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. Como é
impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a elaborar à vista da
pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da avidez de poucos e da
indiferença generalizada!
Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada
vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados,
frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da
dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes sectores da
sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte
e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de
tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o
sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de
favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os
espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e
produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da
sociedade.
Todos estes pobres – como gostava de dizer o Beato
Paulo VI – pertencem à Igreja por «direito evangélico» (Discurso de abertura na
II Sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II, 29/IX/1963) e obrigam à opção
fundamental por eles. Por isso, benditas as mãos que se abrem para acolher os
pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que
superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo
de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir
nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem descer
sobre os irmãos a bênção de Deus.”
Assim escreve o Papa Francisco na mensagem para o
primeiro Dia Mundial dos Pobres que
se assinala, este ano, a 19 de novembro.
E continua: “Convido a Igreja inteira e os homens e
mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que
estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São
nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai celeste. Este Dia
pretende estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do
descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao mesmo tempo, o
convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para
que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como
sinal concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os
homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom
originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.”
“Será um Dia que vai ajudar as comunidades e cada batizado a
refletir como a pobreza está no âmago do Evangelho e tomar consciência de que
não poderá haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa
casa”.