“Nos últimos 30 anos, a distância que separa os rendimentos
dos 10% mais ricos dos rendimentos dos 10% mais pobres subiu significativamente
no conjunto dos países da OCDE. Os 10% mais ricos auferem presentemente cerca
de 9,5 vezes mais rendimento que os 10% mais pobres, um valor claramente
superior ao de 7,1 observado na década de 80 do século passado.”
O texto do economista Carlos Farinha - Desigualdade, pobreza e desenvolvimento - uma reflexão que se integra no projeto Economia e Sociedade – Pensar o futuro, mostra claramente que não só Portugal é um País muito desigual, como a desigualdade vem-se agravando desde 2009, com consequências muito negativas para a coesão social e para o próprio crescimento económico.
“O ponto de partida desta digressão acerca da relação entre
desigualdade e desenvolvimento pode ser sistematizada em cinco vectores
considerados fundamentais para a análise da importância crescente das
desigualdades na nossa forma de viver e nas condições de vida auferidas pelas
populações.
O primeiro é o de que assistimos hoje a um forte crescimento
da desigualdade a nível global que se iniciou na década de 80 e que assume hoje
proporções não vivenciadas na generalidade dos países pelo menos desde 1945.
O segundo prende-se com a identificação do principal factor
explicativo do agravamento das desigualdades: a crescente concentração da
riqueza e do rendimento detidos por um número cada vez mais reduzido de pessoas
na parte superior da escala de rendimento. Este fenómeno implica
necessariamente olhar para as desigualdades de uma forma diferente. Assistimos
hoje a uma deslocação da tradicional análise de “ricos versus pobres” para uma
outra que, para além daquela, opõe igualmente os “super-ricos” ao conjunto da
sociedade.
O terceiro aspecto tem a ver com as diferenças entre a
desigualdade dos rendimentos e a desigualdade da riqueza. A generalidade dos
estudos efectuados nos últimos anos centra-se na análise da formação e
distribuição dos rendimentos. Devido à sua maior complexidade e dificuldade de
estimação, a distribuição da riqueza tem permanecido um pouco na penumbra,
sendo relativamente poucos os estudos publicados nesta área. No entanto, os que
existem são inequívocos na demonstração que a desigualdade na distribuição da
riqueza é muito superior à da distribuição dos rendimentos. Se quisermos
conhecer, de facto, a verdadeira natureza das desigualdades, e as suas
consequências, é necessário ter em conta não somente a relação entre a riqueza
e o rendimento, mas igualmente aspectos específicos da formação e consolidação
da desigualdade da riqueza como, por exemplo, o papel da sua transmissão
intergeracional.
O quarto elemento estruturante da nossa forma de olhar para
as desigualdades prende-se com a sua relação com a pobreza. (…) É hoje
indiscutível a existência de uma forte associação entre os níveis de
desigualdade e os indicadores de pobreza.
O último aspecto que gostaria de salientar, porventura o mais
importante, é o de que esta concentração excessiva da riqueza e dos rendimentos
constitui não só um factor de injustiça social e um elemento potenciador da
pobreza e da exclusão social de milhões de homens e mulheres das nossas
sociedades, mas constitui igualmente, e de forma cada vez mais vincada, um
travão ao crescimento económico e ao desenvolvimento social. A concentração
crescente dos principais recursos do planeta num conjunto reduzido de
indivíduos e famílias é necessariamente incompatível com a noção de
desenvolvimento sustentado que respeite o ambiente, promova a criação de
riqueza e a sua distribuição mais equitativa e que seja inclusivo para o
conjunto da sociedade.”
E na sua
parte final, o texto conclui:
“A exigência de uma política económica que promova a redução
das desigualdades coloca-se, assim, não somente como uma questão de justiça
social, mas igualmente enquanto elemento constituinte da reivindicação de um
modelo de desenvolvimento que tenha em conta as necessidades de todos os
elementos da sociedade, a valorização do trabalho e um modelo de funcionamento
da economia que seja simultaneamente mais eficiente e mais justo, que assegure
e promova a coesão social.
Uma política que reduza as desigualdades económicas e sociais
pressupõe uma intervenção activa do Estado enquanto elemento corrector das insuficiências
do mercado. Nesse contexto, é necessário melhorar a arquitectura e o
funcionamento das políticas sociais e fiscais de forma a assegurar o aumento da
sua capacidade redistributiva.
As políticas sociais devem privilegiar o reforço da sua eficácia
e da sua eficiência no combate às desigualdades e à pobreza, devem permitir uma
melhor identificação das populações alvo dessas políticas e terem a capacidade
de combinar políticas universais com políticas selectivas dirigidas aos grupos
sociais mais vulneráveis. É também necessária a articulação entre medidas que
privilegiem o colmatar do “défice de recursos” com medidas que visem o
reconhecimento e a efectivação dos direitos, sendo para isso necessário
inverter o processo de redução e de enfraquecimento do Estado Social que
ocorreu na generalidade dos países desenvolvidos nas últimas décadas.
Particular atenção deve ser dada a medidas cujo objectivo
declarado seja a redução da proporção de crianças e jovens em situação de
pobreza, assumindo claramente os custos dessas medidas como reforço do capital
humano e de prevenção da reprodução intergeracional da pobreza. É igualmente
necessário um reforço dos sistemas de rendimento mínimo, aumentando a sua
eficácia e eficiência na eliminação de situações de pobreza extrema, reforçando
a sua componente de inclusão activa na sociedade e, quando adequado, no mercado
de trabalho.
As políticas fiscais devem possibilitar uma maior
abrangência, condição necessária para uma menor tributação e uma maior
progressividade do conjunto do sistema fiscal. O tratamento fiscal equitativo
das várias fontes de rendimento é, nesse contexto, um elemento fundamental. A
tributação da riqueza e a reavaliação dos benefícios e deduções fiscais mais
regressivos devem ser tidos em conta de forma a assegurar uma maior
progressividade do sistema fiscal no seu todo.
Uma política que reduza as desigualdades económicas e sociais pressupõe medidas que atendam também à necessária correcção da desigualdade na repartição funcional do rendimento, estabelecendo regras de repartição dos excedentes entre investidores e trabalhadores. Para tal é necessário assumir-se claramente que o processo de criação de riqueza e da sua distribuição não são compartimentados no tempo e sequenciais, mas sim um processo simultâneo que define a natureza do próprio modelo económico.
Uma política que reduza as desigualdades económicas e sociais pressupõe medidas que atendam também à necessária correcção da desigualdade na repartição funcional do rendimento, estabelecendo regras de repartição dos excedentes entre investidores e trabalhadores. Para tal é necessário assumir-se claramente que o processo de criação de riqueza e da sua distribuição não são compartimentados no tempo e sequenciais, mas sim um processo simultâneo que define a natureza do próprio modelo económico.
Uma política que reduza as desigualdades económicas e sociais
pressupõe igualmente a valorização do trabalho, rejeitando um modelo de
desenvolvimento assente nos baixos salários e na subordinação dos direitos dos
trabalhadores no quadro das relações laborais. A promoção da criação de
empregos de qualidade constitui, nesse quadro, um instrumento fundamental. A
redução sustentada do desemprego deve constituir um objectivo estratégico da
política económica, assente em metas quantificáveis e monitorizáveis.
Por último, o combate efectivo às desigualdades sociais não
pode ser efectuado no âmbito exclusivo da política económica. O combate às
desigualdades deve ser entendido como um instrumento de cidadania e de reforço
da coesão social. Tal implica não somente um novo reconhecimento dos efeitos
nefastos da desigualdade, mas igualmente um processo de aumento da aversão à
desigualdade da maioria dos cidadãos.”
Texto na integra
Texto na integra
Sem comentários:
Enviar um comentário