Tocar
piano debaixo das bombas na esperança da paz
«Quando comecei a tocar o piano nas ruas de
Yarmouk, entre os palácios esventrados pelas bombas, fi-lo porque vivíamos numa
situação terrível e as pessoas, sobretudo as crianças, precisavam de escutar o
som da música e não apenas o das explosões. Todos precisávamos de nos agarrar a
uma esperança. É certo que então não imaginava que conseguiria fugir daquele
pesadelo. Para dizer a verdade, pensava que talvez pudesse tocar por dois, três
dias e que depois a minha vida, de repente, acabaria debaixo das ruínas de um
qualquer edifício atingido por uma bomba.»
Quem assim
fala é Aeham Ahmad, o pianista de Yarmouk, na Síria, cujos vídeos dos seus
concertos entre as ruínas, há dois anos, deram a volta ao mundo. Agora é ele -
que há mais de um ano vive em Wiesbaden, na Alemanha - que dá a volta ao mundo,
dedicando aos sírios - «que querem viver
livres mas não têm qualquer voz» - o primeiro álbum das suas composições,
que intitulou "Música para a esperança".
Se em Yarmouk,
onde nasceu há 28 anos numa família de deslocados palestinianos, a sua música
era uma forma de resistência à guerra, um instrumento para dar alívio ao
estrondo dos bombardeamentos, os seus concertos são hoje um testemunho. «Eu toco e canto a tragédia da Síria. Não
apenas aquelas que contam os jornais sobre os combates entre o Estado Islâmico,
a Frente Al-Nusra, o exército de Assad, os russos: eu canto sobretudo a
resistências da gente que quer viver, que gostaria de sair do horror em que
caiu há anos. A minha é uma música de inspiração clássica - nas ruas comecei a
tocar Beethoven, que estudei no Conservatório de Damasco - juntamente com os
versos e as melodias do canto árabe, mas as palavras das minhas composições
narram um drama atual e terrível».
Para Aeham
Ahmad a Síria é o terreno de confronto de interesses estratégicos, económicos e
políticos. «Eu vi isso com os meus
próprios olhos no inferno de Yarmouk. A guerra não é do povo sírio, é contra o
povo sírio. As pessoas normais querem viver em paz. Aqueles que combatem são
grupos financiados e enquadrados por potências externas, mas aqueles que morrem
são os sírios. Nós somos as primeiras vítimas do terrorismo e da violência. E a
trágica contabilidade do conflito demonstra-o, ainda que dos mais de 400 mil
mortos não se fale muito nos jornais. Para isolar os terroristas é preciso
interromper o fornecimento de armas, prestar atenção aos tráficos de petróleo,
não subvalorizar o papel dos combatentes estrangeiros, que são milhares. Um
grande erro é a ilusão de poder manipular grupos de milicianos: um dia é certo
que eles se virarão contra quem os apoiou. Disso sabe algo a Turquia, que é
vítima desta lógica perversa».
Mas a música
pode ajudar num drama destas proporções? «Talvez
a música não chegue. Mas também a música pode servir para fazer compreender a
tragédia que se está a consumar. Pelo menos é esta a minha esperança: a mesma
esperança que me impelia a tocar o piano montado na carreta do meu tio debaixo
das bombas nas ruas devastadas de Yarmouk».
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