O Papa Francisco recebeu, no passado dia 9, o corpo diplomático
acreditado junto da Santa Sé. Alguns extratos do seu discurso:
“Gostaria de dedicar o encontro de hoje ao tema da segurança
e da paz, pois considero que, no clima de geral apreensão pelo presente e de
incerteza e angústia pelo futuro em que estamos mergulhados, é importante
dirigir uma palavra de esperança, que indique também perspetivas de caminho.”
“Se, para muitos, a paz aparece hoje de certo modo
como um bem indiscutido, quase um direito adquirido a que já não se presta
grande atenção, para outros é apenas uma miragem distante. Milhões de pessoas
vivem ainda no meio de conflitos insensatos. Mesmo em lugares outrora
considerados seguros, nota-se uma sensação geral de medo. Com frequência somos
surpreendidos por imagens de morte, pela dor de inocentes que imploram ajuda e
consolação, pelo luto de quem chora uma pessoa querida por causa do ódio e da violência,
surpreendidos pelo drama dos deslocados que fogem da guerra ou dos migrantes
que morrem tragicamente.
Por isso, gostaria de dedicar o encontro de hoje ao
tema da segurança e da paz, pois considero que, no clima de geral apreensão
pelo presente e de incerteza e angústia pelo futuro em que estamos mergulhados,
é importante dirigir uma palavra de esperança, que indique também perspetivas
de caminho.”
“Desejo expressar a convicção de que cada autoridade política
não se deve limitar a garantir a segurança dos seus cidadãos – conceito que
facilmente se pode identificar com um simples «viver tranquilos» – mas sinta-se
chamada também a fazer-se verdadeira promotora e obreira de paz. A paz é uma
«virtude ativa», que requer o empenho e a cooperação de cada indivíduo e do
corpo social no seu todo. Como observava o Concílio Vaticano II, «a paz nunca
se alcança duma vez por sempre, antes deve estar constantemente a ser
edificada», tutelando o bem das pessoas, respeitando a sua dignidade. A sua
edificação requer, antes de mais nada, que se renuncie à violência na
reivindicação dos próprios direitos. Foi precisamente a este princípio que quis
dedicar a Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, intitulada: «A
não-violência: o estilo duma política para a paz», para lembrar, antes de mais
nada, que a não-violência é um estilo político, baseado na primazia do direito
e da dignidade de toda a pessoa.
Edificar a paz exige também «eliminar as causas das
discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras», a começar
pelas injustiças. Com efeito, existe uma ligação íntima entre justiça e paz.”
“É preciso um empenho comum em favor de migrantes, deslocados
e refugiados, que permita proporcionar-lhes um acolhimento digno. Isto implica
saber conjugar o direito de cada ser humano a «transferir-se para outras
comunidades políticas e nelas domiciliar-se» e, ao mesmo tempo, garantir a
possibilidade duma integração dos migrantes nos tecidos sociais onde se
inserem, sem que estes sintam ameaçada a sua segurança, a própria identidade
cultural e os seus próprios equilíbrios político-sociais. Por outro lado, os
próprios migrantes não devem esquecer que têm o dever de respeitar as leis, a
cultura e as tradições dos países onde são acolhidos.
Uma abordagem prudente por parte das autoridades públicas não
envolve a implementação de políticas de fechamento aos migrantes, mas implica
avaliar, com sabedoria e clarividência, até que ponto o seu país é capaz, sem
lesar o bem comum dos cidadãos, de oferecer uma vida decente aos migrantes,
especialmente àqueles que têm real necessidade de proteção. Sobretudo não se pode
reduzir a dramática crise atual a uma simples contagem numérica. Os migrantes
são pessoas com nomes, histórias, famílias, e não poderá jamais haver
verdadeira paz enquanto existir um único ser humano que é violado na sua
identidade pessoal e reduzido a mero número estatístico ou a um objeto de
interesse económico.”
“Penso nos adolescentes que sofrem as consequências do
conflito atroz na Síria, privados das alegrias da infância e da juventude:
desde a possibilidade de brincar livremente até à oportunidade de ir à escola.
Eles e todo o querido povo da Síria estão constantemente presentes no meu
pensamento, ao mesmo tempo que apelo à comunidade internacional para que se
esforce com diligência por dar vida a uma negociação séria que ponha termo
definitivamente ao conflito, causador de um verdadeiro e próprio desastre
humanitário. Cada uma das partes em causa deve considerar como prioritário o
respeito pelo direito humanitário internacional, garantindo a proteção dos
civis e a assistência humanitária necessária à população. O desejo comum é que
a trégua recentemente assinada possa ser um sinal de esperança para todo o povo
sírio, que dela tem profunda necessidade.
Isto requer também que se trabalhe por erradicar o
perverso comércio das armas e a insistência constante de se produzir e
disseminar armamentos cada vez mais sofisticados.”
“Inimiga da paz é a ideologia que se vale dos problemas
sociais para fomentar o desprezo e o ódio e que vê o outro como um inimigo a
aniquilar. Infelizmente assomam, de contínuo, no horizonte da humanidade novas
formas ideológicas. Mascarando-se como portadoras de bem para o povo, o que
realmente deixam atrás de si é pobreza, divisões, tensões sociais, sofrimento
e, por vezes, também morte. Ao invés, a paz conquista-se com a solidariedade. A
partir dela germina a vontade de diálogo e a colaboração, que encontra na
diplomacia um instrumento fundamental.”
“Mas edificar a paz significa também empenhar-se ativamente
no cuidado da criação. O Acordo de Paris sobre o clima, que entrou recentemente
em vigor, é um sinal importante do compromisso comum para deixar a quem vier
depois de nós um mundo belo e habitável. Espero que o esforço empreendido nos
últimos anos para enfrentar as alterações climáticas encontre uma cooperação
cada vez mais ampla de todos, já que a Terra é a nossa casa comum e é preciso
considerar que as opções de cada um têm repercussões na vida de todos.”
“A paz é um dom, um desafio e um compromisso. Um dom porque
brota do próprio coração de Deus; um desafio porque é um bem que nunca é um
dado adquirido mas deve ser continuamente conquistado; um compromisso, porque
requer, na sua busca e construção, o trabalho apaixonado de todas as pessoas de
boa vontade. Por isso só há verdadeira paz a partir duma visão do homem que
saiba promover o seu desenvolvimento integral, tendo em conta a sua dignidade
transcendente, já que «o desenvolvimento – como recordava o Beato Paulo VI – é
o novo nome da paz». Assim os meus votos para o ano há pouco iniciado são
estes: que possam aumentar entre os nossos países e seus respetivos povos as
ocasiões para trabalhar juntos e construir uma paz autêntica.”